domingo, 24 de dezembro de 2023

Retorno a Tecnologias Antigas

Você já reparou que alguns setores consolidados da sociedades usam muita tecnologia antiga? Por exemplo, empresas sérias ainda usam e-mail, escritórios utilizam computadores de mesa, repórteres utilizam sites e blogs e a maioria das configurações do linux ainda é feita pela tela preta do terminal. Raramente vemos uma loja de abrangência nacional atender seus clientes pelo whatsapp, exceto se o atendente for um bot.

Particularmente, eu atribuo isso à hipótese de que o desenvolvimento das tecnologias atuais não se interessam mais por criar facilidades para os problemas cotidianos. Mas o que estou quero dizer com isso? Tentarei explicar dando um panorama do que era a tecnologia digital a uns 20 anos atrás até agora.

Inicialmente o computador foi criado com a intenção de computar. Óbvio. Da máquina de pascal ao pesado ENIAC, o objetivo da computação sempre foi faz cálculo com precisão e velocidade impossíveis para um ser humano. Um bom tempo depois, a invenção do transistor permitiu que essa gigantescas máquinas passassem pelas portas de nossas casas. E depois entrassem em nossos bolsos.

Pulando a evolução dos sistemas operacionais, os primeiros computadores permitiram escrever cartas sem rasurar os erros no papel, organizar orçamentos com mais facilidades que as cadernetas de bolso, ouvir músicas, organizar imagens (não fotos, pois ninguém tinha câmera digital), jogar paciência e campo minado e compartilhar tudo isso organizado-os em pastas a partir de um diquete de 3½ polegadas.

Com a popularização da internet novos avanços começaram a aparecer. Se antes copiávamos palavra por palavra os livros da biblioteca nos trabalhos escolares, agora usávamos o Ctrl+C e Ctrl+V do site trabalhos prontos. Agora poderíamos buscar por tutoriais na internet, por exemplo de como fazer um rádio AM (embora nunca tenha funcionado). Aparecia (para nós) os primeiros rudimentos de comunicação social: e-mail, salas de bate papo, msn, orkut, organizados por interesses. Tínhamos o Blogger. Nascia também o poderoso buscador de conteúdos, a enciclopédia viva das redes, o incrível site Cadê?. Ah, e o pequeno Google veio depois também.

Depois disso começaram a se popularizar os telefones celulares. O indestrutível Nokia 3310 e o seu jogo de navinha. Troca de SMS (ainda existe viu). Depois telas coloridas. Mas adiante suporte a aplicativos flash (não me orgulho, mas eu li crepúsculo em flash num sony ericsson w200i). E teclado quer no celular amora. E por fim o fim das telas no sistema Android (eu sei que o primeiro foi o IOS, mas isso não é uma linha do tempo).

Acredito que a partir desse momento as coisas começam a desandar, mais precisamente no fim o Orkut e o início do Facebook. O Facebook trouxe consigo a incrível tecnologia do feed rolável, onde você não tem mais a preocupação de procurar o que quer, é só deixar rolar. Além disso, é fácil teu tio chato e tua mãe te encontrar na rede social. Quem quer interagir com a mãe na internet? Bora rolar o feed. Num mundo gratuito para os usuários, e pago pelos banners de propagandas, o Facebook fez o que era eticamente esperado por uma rede social da sua época, maximizar os lucros da empresa. Como isso? Aumentando a audiência dos usuários para que possam ver mais propagandas.

Não quero só tacar pedras na rede social da Meta, mas usá-la como exemplo de tantas outras coisas que seguem o mesmo caminho. Num primeiro momento a tecnologia era desenvolvida para resolver problemas cotidianos e vendidas aos interessados, como uma máquina de lavar roupas. Depois, cria-se o entretenimento gratuito, patrocinado pelas propagandas das empresas, assim como a tv aberta. Nesta segunda etapa o entretenimento tem o objetivo de ser gratificante ao cliente, de modo que ele aproveite seu tempo livre nisso. Porém, vivemos uma terceira etapa, onde o objetivo é maximizar o lucros da "empresa de entretenimento", prendendo a atenção o usuário com todo e qualquer estratégia psicológica possível.

Na terceira etapa da tecnologia deixamos de aproveitar o tempo livre com a tecnologia, mas passamos a esgotar nosso tempo nela. O feed rolável do Facebook de gota em gota nos mostrar algo interessante em meio a um monte de porcaria. Tal esquema é repetido pelo Twiter, pelo Youtube, pelos aplicativos e sites de lojas, sempre nos mostrando coisas que nunca pedimos para ver. Já os formatos dos celulares atuais não ajudam (a nós, mas ajudam a eles), uma vez que são eficientes para rolar feeds e compartilhar conteúdos, mas pouco eficientes para escrever e ser criativos.

Se tudo isso que estou dizendo faz algum sentido, não é difícil de entender por que empresas e setores sociais consolidados, que prezam pela eficiência de sua produções, prefiram um e-mail a um WhatsApp, um computador com tela grande e teclado a um celular, a consumir e escrever notícias em um blog ou jornal tradicional a um Twiter.

Para além desses exemplos acima citados, tenho visto outros retornos à tecnologias antigas, porém eficientes quando se trata em questão de produtividade. Um destes exemplo é a escrita em markdown, que não exige mais que um bloco de notas para escrever textos elaborados (sim, eu que você usa o WhatsApp para fazer lista de comprar do mercado, e nem sabe onde fica o bloco de notas do celular). Outro exemplo é a integração do ChatGPT com o terminal linux para formatar arquivos, o que uni uma tecnologia atual com uma antiga.

No fim das contas, a impressão de que nosso tempo é curto nos leva a pensar que precisamos extrair o máximo de nosso tempo livre, o que é um tiro no pé, pois não nos damos a opção de assistir um filme ruim, mas passamos horas sem escolher nada do catálogo. Tiramos um monte de fotos para que uma sai perfeita, mas não aproveitamos o lugar. Não refletimos sobre nossas necessidades materiais, mas compramos coisas inúteis. Não paramos para estudar ou ler um livro, mas consumimos vídeos e podcasts duvidosos. Não lutamos as lutas que nos fazer sentido, mas nos deixamos tirar do sério por um cometário de uma ser aleatório. Escrevemos nossas opiniões aos pedaços em cometários aleatórios da internet, mas não organizamos nossas ideias em um blog.

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